Direitos ou privilégios para LGBTI+?

01 de Setembro de 2023

Não são poucas as vezes em que ouvimos que heterossexuais e cisgêneros estariam se transformando em uma minoria por conta do avanço dos direitos LGBTI+. Algumas pessoas chegam até mesmo a clamar por um Dia do Orgulho Heterossexual ou Cisgênero diante de tantas mudanças que parecem afetar suas posições de privilégio.

Ainda que proferida, muitas vezes, em tom jocoso, tal discurso expressa, com contornos precisos, uma nova identidade política que tem emergido, com frequência, no debate público sobre direitos humanos: a do homem heterossexual, cisgênero, branco, bem posicionado profissionalmente, mas que se considera um “oprimido” pelas “minorias”.

Sim, a formulação é claramente uma contradição em termos. Afinal, alguém que ocupa posições de privilégio por conta de sua raça, de seu gênero, de sua orientação sexual, de sua identidade de gênero e de sua classe certamente não é a pessoa mais indicada para reclamar das opressões que, objetivamente, lhe favorecem.

Segundo esse raciocínio, as “minorias” estariam, por meio de políticas identitárias, impondo uma perspectiva particularista que se materializaria em privilégios. Assim, qualquer demanda por reconhecimento de grupos vulneráveis implicaria, necessariamente, na “opressão” dos heterossexuais, brancos e cisgêneros.

Há diversos equívocos nessa visão que, propositadamente, confunde direitos com privilégios. As elites brasileiras sempre impuseram uma cultura política que desqualificava a luta por direitos dos segmentos vulneráveis como se fossem uma busca por privilégios. Assim, as leis não seriam construções forjadas nas lutas políticas desde baixo, mas dádivas ou concessões dos donos do poder.

É preciso afastar essa confusão perversa entre direito e privilégio. Romper com a ordem sexual heteronormativa não significa rebaixar os heterossexuais à precariedade jurídica da condição homossexual. Não se trata de inverter o sinal de uma relação de dominação e opressão. Ao contrário, trata-se de garantir aos homossexuais os mesmos direitos assegurados aos heterossexuais.

Direitos – ainda – não são como dinheiro. Ou seja, não é preciso tirar direitos de alguns para garantir direitos de outros, como se fosse uma soma zero. O reconhecimento jurídico dos homossexuais e sua cidadania plena não exige supressão de nenhuma garantia dos heterossexuais.

Aliás, heterossexuais não precisam “assumir”, em um difícil processo de (auto)aceitação, sua sexualidade. Heterossexuais não são expulsos de casa por suas famílias. Tampouco sofrem bullying nas escolas, preconceito no mercado de trabalho ou violência físicas nas ruas caso demonstrem sua sexualidade ou afeto publicamente. Heterossexuais podem casar e formar famílias. E ainda podem doar sangue. Assim como pessoas cisgêneras.

Tudo isso são direitos dos heterossexuais e cisgêneros e assim deve seguir sendo. No entanto, enquanto tais direitos não forem também garantidos aos homossexuais e às pessoas trans, eles não passam de privilégios. Estender esses direitos a todos e todas não torna os heterossexuais uma minoria e tampouco oprimida, pois eles seguirão tendo as mesmas garantias que todos os demais independentemente da orientação sexual.

Formalmente, nossos direitos têm sido cada vez mais reconhecidos. No entanto, é preciso mudar essa cultura homofóbica e transfóbica urgentemente, ainda que isso doa em alguns heterossexuais e cisgêneros que não sabem diferenciar direitos de igualdade de seus próprios privilégios.

Renan Quinalha

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