De onde vem nosso orgulho?
29 de Maio de 2024
Estamos chegando em junho, talvez o mês de maior simbolismo para o movimento de gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis e intersexo (LGBTI+). Todo junho, pelo mundo afora, pessoas se reúnem para celebrar, de diferentes maneiras, o orgulho das múltiplas orientações sexuais e identidades de gênero. Temos Paradas do Orgulho LGBTI+, lançamentos de livros e filmes, empresas convidando pessoas para ações de conscientização e de sensibilização.
Mas você sabe de onde vem esse simbolismo? Foi há mais de cinquenta anos, mais precisamente no dia 28 de junho de 1969, que ocorreu, na cidade de Nova Iorque (EUA), a famosa revolta no bar Stonewall Inn, um verdadeiro marco para as lutas pela diversidade sexual e de gênero. Nem tudo começou ali, muitas lutas já tinham acontecido antes. Mas ali uma mudança importante aconteceu.Contra a repressão policial, vigilante de um código moral conservador, o único caminho possível era existir, insistir e resistir. Esse foi o ousado programa político das centenas de pessoas que se levantaram contra a habitual violência do Estado e que foram, por isso, considerados pioneiros do movimento tal como hoje o conhecemos. Não foi a primeira vez em que pessoas LGBTI+ se levantaram em luta, mas ali algo especial efetivamente aconteceu para nossa história, pois o orgulho se tornou nossa bandeira central.
Mas como é que a vergonha e o estigma, alimentados pelo preconceito de uma sociedade hétero e cisnormativa, foram substituídos pelo orgulho e pela identidade política?
Essa não é uma pergunta simples e não há um único turning point capaz de explicar, isoladamente, tamanho deslocamento.
Por séculos, acusados de pecadores nas Igrejas, de doentes nos hospitais e manicômios, de criminosos no sistema penal e prisional, de ameaçadores à ordem pública e aos bons costumes pelos poderes estatais, LGBTI+ foram permanentemente atravessados pelos discursos e práticas de controle político e sexual de suas subjetividades.
O “choque da injúria”, para usar uma expressão do filósofo Didier Eribon, é uma experiência constitutiva central em qualquer pessoa LGBT. Ela pode se consumar em um ato concreto de violência ou permanecer, virtualmente, no horizonte como uma ameaça. Nem sempre a injúria precisa ser proferida e realizada, mas ela sempre estará ali presente no autoimagem e na auto-estima de todes nós.
A injúria, assim, não é apenas uma fala que descreve, mas expressa um domínio, um poder de ferir daquele que pode nomear sobre o outro, que é então objetificado. Ainda nas palavras de Eribon, “a injúria me diz o que sou na medida em que me faz ser o que sou”. Essa onipresença do insulto, que está sempre às voltas dos corpos LGBTI+ como ameaça potencial ou concreta, é um dos traços mais comuns da nossa comunidade.
Assim, a identidade LGBT é, em um primeiro momento, uma imposição dos poderes e discursos que constituem as subjetividades, atravessam os corpos e normalizam os desejos. Mas essa mesma identidade, outrora estigmatizada, vem sendo cada vez mais ressignificada como um suporte para a ação política e a conquista dos direitos de igualdade.
Levou muito tempo para que as pessoas pudessem assumir sua orientação sexual ou identidade de gênero abertamente. Ainda mais tempo para que lograssem políticas públicas e reconhecimento estatal. E, apesar das enormes violências e restrições ainda presentes contra os segmentos LGBTI+ no mundo e no nosso país, os avanços só foram possíveis graças às lutas e à organização desse movimento que levanta a bandeira do orgulho.
Renan Quinalha
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