Um espetáculo de diversidade no Grammy sob Trump

03 de Fevereiro de 2025

“A partir de hoje, será a política oficial do governo dos Estados Unidos que existem apenas dois gêneros, masculino e feminino”. 

Esta frase foi um dos pontos mais notados do discurso de posse de Trump para seu novo mandato à frente da presidência dos EUA. Mas será mesmo que um presidente pode, pela via do direito, regular a intimidade e a vida privada? Ou há aí um fetiche da norma que, de modo autoritário, quer encaixar a complexidade da vida nos limites estreitos de um decreto? 

Vale lembrar que o direito sempre foi um discurso, uma tecnologia e um aparato de regulação do gênero e da sexualidade. As Ordenações portuguesas criminalizaram a sodomia. O parágrafo 175 proibiu o sexo entre homens na Alemanha por século. Até 1960, praticamente todos Estados norte-americanos tinham leis de repressão às homossexualidades. O patriarcado e as desigualdades de gênero eram positivados nos Códigos Civis e Penais (e até nas Constituições) de diversas nações. 

Então a fala de Trump não é uma criação dele. A estrutura binária, patriarcal, heterossexista e cisnormativa é a regra nas sociedades modernas. O que mudou é que Trump profere essas palavras em pleno 2025. 

Nas últimas décadas, os EUA foram palco privilegiado das lutas pelo reconhecimento da multiplicidade das identidades sexuais e de gênero. Notem que falo em reconhecimento porque sempre existimos. Afinal, ninguém proíbe algo que não exista ou que não esteja no horizonte.

Sempre estivemos às margens contestando esse regime, que se construiu com muita violência, muita ideologia, muita “ciência” e muitos decretos. Contra tudo isso, lutamos e criamos espaços de visibilidade, de reconhecimento e de cidadania (ainda que com muitos limites). 

Trump já tem atacado os ganhos de cidadania ao desmontar políticas públicas de saúde, educação, trabalho e direitos civis. Mas não vai conseguir facilmente retroceder na visibilidade e no reconhecimento que alcançamos.

Prova maior disso foi a premiação do Grammy de ontem. Foi lindo ver uma das mais importantes cerimônias do universo musical e do pop internacional marcado por discursos contundentes de defesa da diversidade, dos imigrantes e das pessoas trans. Lady Gaga, Shakira, Chappel Roan, Doechii, Billie Eilish e Cynthia Erivo mostraram um compromisso com a comunidade queer, com as mulheres e as pessoas negras, alvos preferenciais de ataque das políticas trumpistas.

Mais uma vez, a arte nos ensina que nossas vidas não cabem e nem caberão em decretos.

Renan Quinalha

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